21 maio, 2014

de repente



.

Vez por outra, sem tempo determinado ou motivação explícita, somos indefensavelmente sugados para fora de nós mesmos, dos nossos hábitos, da nossa apatia e da forma acomodada como vemos a vida. Isso. Ainda que sugar sugira “puxar para dentro”, a ideia aqui é de ser puxado para fora mesmo. Subitamente expandidos, elásticos e flexíveis. E eu não falo sobre revoluções e caos, falo sobre coisas simples como o debruçar de um olhar diferente sobre todas as coisas.

De repente me vi assim. Ou melhor, parei de me ver e comecei a enxergar outras coisas que pairavam ao meu redor e às quais eu não dava atenção, tão centrada que estava em mim mesma. De repente deixei de ter vontade de vestir o exuberante e as manhãs se tornaram pequenos momentos de tortura onde a obrigação de vestir alguma coisa legal frustrava a genuína vontade de sair de pijama.

De repente parei de ler todos os portais que a internet me proporcionava e, ao invés disso, naveguei a esmo na ansiedade de pegar o metrô de volta pra casa e ler mais umas folhas do livro do momento. De repente deixei de querer fotografar o que vejo no espelho e passei a captar a vida ululante que grita em silêncio nas ruas, nas plantas, nos edifícios. E, feito louca, caminhei com a lente em riste.

De repente desejei apenas uma companhia firme ocupando o lugar barulhento de dezenas de farras, bares e noites sem dormir. De repente calei mil palavras ruidosas pra sentir a dimensão de umas poucas. De repente me vi viciada no olhar e nessa mudança de estado tudo virou motivo de uma inquieta apreciação.

De repente descobri um mundo mudo que se apresenta aos olhos como um quadro vivo e me oferece um saco sem fim de inspiração. De repente derrubei muros que custei tanto a construir e atrás deles encontrei pedaços esquecidos de mim. De repente quis mudar meu destino e desistir de tudo o que me ocupa um tempo sem retorno. E quis viajar pra onde for, mesmo que sozinha, para poupar meus ouvidos dos diálogos vãos. 

De repente eu percebi que me afastei o suficiente do meu epicentro, deixei de ser o olho que vê sempre a partir de si mesmo e fui, ainda que por breves momentos, um observador externo da minha própria condição. Como que uma segunda pessoa que andasse ao meu próprio lado, me olhando. E assim esvaziei-me de um milhão de vontades bobas e desejei que essa ebulição nos sentidos durasse pra sempre, e que durasse pra sempre também, o silêncio que precede qualquer explosão.


.

3 comentários:

  1. Meu Deus, case comigo. Eu estou apaixonada por essa crônica, realmente expressa tudo o que sinto, a vontade de só andar pra qualquer lugar e nunca parar, a vontade do barulho, e do silêncio ao mesmo tempo... É bom ver que mais pessoas se sentem assim, e se você não se sente, perdão por te submeter à minhas bobagens melancólicas.
    ponytails-and-lolipops.blogspot.com.br

    ResponderEliminar
  2. De repente me vi nesse texto, pensando no feito e no que tem me impulsionado. De repente me apaixonei por esse e percebi que preciso fazer tantas coisas que há tempos não tenho feito para ser melhor!

    ResponderEliminar
  3. Eu tenho feito 'coisas silenciosas' no "mundo mudo" há algum tempo. Faço as coisas com mais delicadeza, enxergando e não apenas passando os olhos. Um banho é um prazer. Arrumar o estojo outro prazer. Estou muito feliz com isso, acho que é aproveitar a vida em dobro.

    ResponderEliminar