18 agosto, 2014

um coração batendo no mundo




Sou um coração batendo no mundo. Dentre tantos corações fortes e intensos, um veio bater no meu peito, num ritmo louco e sem contento. Desassossegado, quase mal educado, retumbante e barulhento, com vinte mil alfaias em conjunto, explode em meu peito a vontade de tudo. Sou um coração batendo com fome, no mundo. Quero que a vida me leve de coração cheio, saciado, empanturrado, que não me falte nada que viver. Eu tenho pressa, meu amor, de ver que a história tem um final feliz. Vivo com a urgência dos dias contados, sem saber exatamente o dia do fim. E não vivemos todos assim? 

Parece que tem gente que bate o pé, em vez do coração. Estranho é pensar que viver adormecido pode ser o melhor caminho e que se alimentar de rasos momentos, multiplicar silêncios é, afinal, um jeitinho bom. Estranho é pensar que a gente gosta, mas prefere não sentir, que a gente abre mão da inquietação natural de tudo o que faz bem e dorme no estranho conforto de uma cama vazia. É como escolher um prato sem risco, sem gosto, sem afeto, feito apenas para alimentar o bucho, e partir sem recordação. Pois meu coração é voraz e tem fome e bate na mesa três vezes, retumbante, quero mais, quero melhor, quero repetir.



13 agosto, 2014

jogo de xadrez



Agora que paro para escrever sobre nós dois, confesso: entrei com muito pouco nessa história. Há tempos sabia que fazíamos tudo errado e se continuei insistindo foi por que gostava da nossa peculiar teimosia. Fomos soberbos e exagerados. Eu no excesso e você no descaso, e assim perdemos o fio da navalha, cegamos nossos ouvidos com discursos pífios, repetimos, feito discos riscados, nossos verbos sem sentido. Quanto texto disperdiçado. O que dissemos nunca se justificou em gestos, para nenhum dos dois. Pelos meus cálculos, você me queria pela metade, eu não te queria por inteiro. Tão distintos e apartados, nem percebemos que estávamos do mesmo lado. 

O que eu tinha para dar era quase nada. Não se entrega um coração em pedaços, esperando que outro coração bagunçado o possa consertar. Fui ingênua de achar que poderíamos multiplicar nosso vazio e obter um resultado. Sempre fui ruim de matemática. Mas entendo das operações mais básicas e percebo que, nós dois somados, resultamos numa subtração. Na minha equação louca, os gráficos mostraram o rombo no saldo. Se, nessa história, entrei quase zerada, estou saindo com menos ainda. É que toda pessoa deixa um pouco de si com o outro, mas você não me deixou nada. 

Tentei sugar alguma coisa de ti, tentei me apropriar de qualquer sopro e quase me contentava em cheirar tua nuca antes de dormir, apenas para ter uma lembrança singular para a minha memória fraca, mas você foi tão volátil, que eu não consegui acompanhar teus passos. Fui intensa na medida do que pude, com o que me sobrava do tempo e das entranhas, e fiz, do meu gostar, o maior pretexto para te ter. Descobri que gostar é a menor das variáveis dentro de uma relação. Descobri que o tempo, essa constante matematicamente fracionada, é quem dita as regras desse jogo muito íntimo. Mas eu sempre fui ruim em matemática. Nem as horas aprendi a contar, mas sempre as soube perder. Então me entreguei às palavras, que me preenchem tanto quanto os livros que leio, mas elas também me foram falhas e eu ainda duvido se realmente sei escrever em bom português. 

Não era amor, não era paixão, não era destino, acaso nem sorte o que nos uniu. Era pura teimosia das nossas distintas personalidades. Uma piada da vida para nos fazer perder o tempo. Era o nosso jogo de não-querer. Era uma vontade visceral de subverter o próprio conforto e transformar em confronto o que poderia ser bom. Montamos nosso tabuleiro de jogo com peças distintas e regras invioláveis e a cada jogada eu tinha a certeza que iria ficar em desvantagem. E fiquei. Por que sou ilógica, intensa, invertida, insensata, sempre fui ruim de matemática e também não sei jogar xadrez.